... Já te contei, amor, que já quis me matar? E que essa pensamento vem sinuosamente, em dias nublados ou dias quentes, e se instaura até que pareça a única saída? Seria uma saída não. O que ia achar se me ligasse e eu não atendesse, se ninguém soubesse nada de mim, se não tivesse ido para a faculdade nem voltado para casa. Se tu pegasse então teu carro e viesse até meu apartamento, e usasse a tua chave, e entrasse no meu quarto trancado, ainda com o cheiro da noite anterior, aquele cheiro de perfume, cheiro de amor e cheiro de felicidade. Visse todas as mesmas coisas nos mesmos lugares. A mesma cama no mesmo lugar de sempre, tentadora como sempre. Mas algo faltando, algo errado, algo terrivelmente errado. Tudo ali, menos eu. Eu ali, mas não. Não durmindo, nem sequer cansada. Não ali. Poderia tocar, mas não ia te tocar de volta. Não ia te tocar de volta como fazia todas as manhãs, nem rir das tuas piadas bobas. Não ia mais nada. Nunca mais. E não porque brigamos ou você fez algo que não gostei. Simplesmente porque eu nunca mais estaria ali. Nunca mais. Nem que você quisesse com todas as forças e implorasse que eu voltasse.
Mas você não faria isso, não é. Não te imagino implorando por nada. Nem sequer chorando. O que faria, amor? Imagino só. pensaria que era sua culpa, do alto da sua incrível prepotência. O mundo não gira em torno de ti, amor, desculpa dizer. e Sairia dali pensando que eu entrei para a lista das meninas que você arruinou a vida. Mais uma. Só mais uma? Talvez sim, talvez não. Egocentrismo é algo viciante mesmo. E dessa vez pensaria, literalmente arruinei. Não conhece nada de mim, sei bem. Sairia da minha casa, e deixaria a porta aberta. Só ligaria para a minha família em outro momento. Deixaria a chave na mesa, e sairia, meio abalada, meio incrédula. Meio previsível, pensaria.
Entraria no seu carro, e ignoraria os olhares das meninas e meninos, espantados e fascinados. Como sempre finge fazer. Iria para o mesmo bar, o exato mesmo bar onde me viu, e veio conversar com aquela menina bobinha que enxarcava com lágrimas uma boa vodka. Nuncame pediu sobre as lágrimas, a propósito. Beberia seu clássico Johnnie Walker. 21 anos. Pensaria nos bons momentos. E então pensaria que teve bons momentos a sua vida toda. Não só comigo. E pensaria como sou idiota, estúpida e infantil, negando meu direito sobre meu próprio rumo. Tudo te pertence, não é mesmo? E provavelmente depois de umas duas doses, ou a garrafa toda começaria tudo novamente, não? Ainda imagina que eu não sinto a tua vontade quando vê uma menininha como eu te olhando no fundo de uma festa, não é? Que eu não conheço o teu jogo. Aquela coisa de querer seduzir, e que o poder sobre os outros te faz mais feliz que o melhor sexo possível. Esse teu jeito de encantar, de seduzir, que é simplesmente irresistível. E então veria uma menina tão sozinha quanto eu aquela vez.
E seria tudo novamente. E como que sem querer, seriam outros lençóis, outros sorrisos, outros toques e outras músicas. E tudo estaria bem denovo, com teu ego bem denovo. E sutilmente minha memória se desfaria como que varrida pelo vento do fim da tarde. E em pouco tempo já não saberia qual o lado da cama eu mais gostava, nem qual perfume eu usava, nem qual música nós ouvíamos nos melhores moementos, na calada da madrugada.
E por fim, a sua vida voltaria ao normal, como se aquela pirralha que fez a besteira de se matar nem sequer tivesse passado por ela. Pirralhas são assim, afinal. Fazem besteiras, fazem coisas sem entender que não deveriam. Não se pode confiar, muito menos se gostar de pirralhas. Não é?
E será que quando visse em um lugar qualquer, um cabelo como o meu, um cheiro como o meu, um sorriso como o meu, se lembraria de mim? E sentiria se impregnando no fundo da mente um sentimento de saudade, irreparável e irremendável? E acharia que naquele momento, tudo o que mais queria era poder me abraçar e me mostrar o formatos das nuvens e os pássaros e as rosas à beira do caminho? Será que se lembraria, em primeiro lugar?
Nunca vai acontecer, menininha. Nunca. Me abraça, e acredita que te amo, e te quero comigo todas as manhãs e todas as noites de todos os dias. Te amo menininha, como nunca consegui amar.
Sabia amor, que pensei em me matar... hoje?
8 comentários:
Forte pra caralho, ein. Um belo pensamento de abandono. Quem é que menospreza assim essa personagem ficticia, que atinge ela a tal ponto que ela se sente total subjulgada.
e mais importante: vale tamanho sacrificio? por mais profundo o buraco deixado, até os mais fracos e chegados acabam superando as perdas. O que dirá aquele que mal se importa. No fim tu vai ter perdido tudo e tirado algo importante de muita gente, e mal vai ter atingido quem queria atingir. Se é que esse seria o motivo.
Pra mim a vida não tem um sentido, não nascemos pra algum propósito. Simplesmente nascemos pra viver, sejá como for, aguentando o que precisar. Terminar com a vida antes só pra escapar de algo ou mandar alguma mensagem, bem, a cada segundo morre alguem, e tu seria só mais um.
Mas muito, muito bem escrito. Cheguei a senti saudade já, um sufoco. Quem ler isso, vai certamente pensar em alguem proximo e sentir a perda. E, se for como eu, sentir uma profunda raiva de, seja lá quem simplesmente se virou e partiu pra proxima, sem pesar. Demonstra a total indiferença, maldito seja esse sentimento ¬¬'
Achei esse relato incrível. Encantou pela sutileza ao abordar um assunto não assim tão leve e ao mesmo tempo transmitiu toda a dor que a indiferença traz. Só estou esperando o que mais vem dessa veia literária...
Beijos, garota.
P.S.: Estou de volta no meu blog. Finalmente.
Tristeza, fuga, abandono da vida.
Postagem triste, parece um fim, final trágico aqueles dos filmes, onde a vida acaba por causa de obstáculos, culpas, tristezas.
Já pensei na dor, já pensei na morte, felizmente isto faz parte da adolescência.
Ótimo texto, forte e tocante.
Se perdesse alguém assim, e não a encontrasse mais, com certeza uma parte de mim iria junto.
Ah respeito! do poeta fingir, conhece o poema?
"O poeta é um fingidor, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente."
Finge não sentir, não querer, exagera na dor.
Ateh como dizia cazuza "exagerado".
Mas toda poesia tem seu fundo de verdade.
Beijoka
Cuide-se;)
Fiquei chocado. No começo eu senti que o texto era para mim (como muitos devem ter sentido quando leram, é impossível não se identificar com alguma passagem). Senti-me realmente tocado, parabéns.
PS: Apesar de nunca ter comentado nada, já acompanhei alguns posts teus, tu é fantástica ;D
Gostei do teu jeito solto de narrar, ler até o fim foi como te ouvir falando isso ao telefone tipo aquelas pessoas que ouvem conversar em ônibus.
^^ bem, pensar em matar-te não é morrer para o outro, nem no outro. As idéias são, praticamente, eternas.
Realmente bom, me senti dentro do texto, com um final que me fez refletir =)
Ale, sem palavras...
Você me lembra Caio, sabia? a forma como descreves o mundo em volta da personagem, e os pensamentos atravessando-a enquanto que, penso, seriam divagações ou ela estaria recitando pensamentos a alguém?
Adorei, simplesmente adorei.
nossa,como me deixa feliz ver que gostam dos meus textos.
e algumas hipérboles aí no meio [não é, senhor guilherme hehhe]
como estávamos discutindo, o escritor precisa das suas tristezas, de seus dramas, para escrever sobre. a tristeza é universal, a alegrie é pessoal.
mas também sabe fingir a dor, fingir o desespero, tranformando um pequeno grão de solidão em quase uma carta suicida.
no início achei que o tema fosse suicídio, mas têm razão, fala sobre a indiferença, a descartabilidade das pessoas.
acho bom isso... quando os textos seguem rumos próprios, alheios ao meu desejo inicial, como quando se assopra bolhas de sabão e se fica cuidando o trajeto que percorrem.
diria que... alguém vai e pode permanecer em nós, mas só quando se teve o cuidado e o carinho para se guardar bem fundo a pessoa. se não tudo se vai, como arei escorrendo entre os dedos.
mas enfim, amo vocês, e as meninas novas que comentara :D continuem lendo :)
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