terça-feira, 29 de junho de 2010

Strange days

Me disse assim, como quem olha ao longe o pôr do sol. Como quem sequer percebe as palavras escapando de seus devaneios profundos. Numa tarde qualquer, nublada, cinzenta, provavelmente. Parecendo por engano, me disse, quase por brincadeira. E não percebeu as marcas profundas que deixou nessa consciência já não tão mais imaculada. Não percebeu o olhar de espanto, quase medo. Não percebeu a busca por uma saída. Não percebeu as consequências daquelas palavras ditas ao vento. Talvez nem fossem aos meus ouvidos.

Os corpos tão nus. As mentes tão cobertas, acorrentadas. Os sonhos contidos. Sempre foram. Algum dia fomos capazes de sonhar com algo mais que a simples necessidade? Sempre alguma necessidade, a fome pelo simples prazer de sentí-la. Mas nunca houve mais do que pensamentos espartanos. As montanhas não foram feitas para nós. Os amores brutos, simples, básicos, já pareciam nos satisfazer. E assim que era. Numa compreensão mútua de silêncios cúmplices. Não mais, e eventualmente um pouco menos. E assim foi, sempre foi.

Foi todos os dias, foi todas as noites, foi todo o tempo. E não foi nunca. Nada nunca existiu. Esse acordo quase. Era tão fácil. Uns amores que nos distraiam, e então novamente nossa necessidade mútua pelo vazio. Nunca muito longe. Sempre voltando para esse estar que faltava tudo, não supria nada. E talvez por isso gostássemos. Talvez por isso repetíamos o erro de voltar e voltar. A simples nudez nunca supriu nada. Supriu nossa busca pelas destruições lentas, pelas solidezes fingidas, pelas solidões acompanhadas, no máximo.

Até aquele dia. Entre um copo e outro de whisky, quando víamos a chuva escorrer pelo vidro. A chuva escorrendo também pelas mentes já quase anestesiadas. Não saberia dizer que horas marcava o relógio. Quem sabe manhã, ou então tarde. Até noite poderia ser, quem sabe o sol tivesse esquecido de se pôr, ou tivéssemos nós esquecido de perceber. O tempo sempre passava assim, lento, espesso, sem sequer tomar consciência de nós ali. E antes que eu pudesse entender com clareza as palavras deixadas escapar, me fitou com aqueles olhos de tempestade que eu sequer houvera percebido antes.



Como por impulso, rápido, antes que minhas limitações me impedissem de tal ousadia, admiti te amo também e nunca foi diferente.


Nunca mais nos vimos.
Um copo pela metade sobre a cabeceira e a fome sempre a consumir.

4 comentários:

Artemis disse...

Acho que todas as palavras já foram ditas (e muito bem ditas) no post a cima. Dessa forma, limito-me a parabenizar a escritora. Envolvente e sensível, mas não só.

Beijos,
Ártemis.

Sharla disse...

A "brincadeira" vazia nunca dura... não se juntam duas pessoas que vão estar satisfeitas em apenas matar a fome da outra... eventualmente uma vai dizer as palavras, e não serão ditas ao vento. Pena que passou despercebido, e que a resposta veio tarde e sem significado. Perdeu sua diversão temporária. Que lástima.

Ale Leonhardt disse...

adoro escrever ficções, sabe :)

essa em especial gostei... me lembrou muito sex and the city até hehe...

mas diria que é mais algo como "certas coisas só funcionam de certas formas" e "o amor pode afastar as pessoas" e "sentimentos amedrontam"

a fome pela própria fome, não é...

não diria que é um post triste ou feliz, ele é exatamente isso: apático, a completa ausência de sentimentos. ou não?

Marina disse...

Ah o comodismo piegas daqueles que ousam é ser metade...meio cheio, meio vazio!? Quero tudo...ou cheio ou vazio! Sem meio termos...

Verdadeiramente encantada com tua escrita. Já não bastasse a beleza do perfil do orkut e a paixão por cavalos, ainda é poeta!

Postar um comentário