Ela foi criada numa fazenda. Uma fazenda de pôneis, quem sabe. Nada mais que uma garotinha. Com sonhos e ambições. Com expectativas sobre a sua cabeça. A vida fácil e colorida da garotinha sempre foi tudo o que importava para ela. Cercada de flores e cavalos, a primavera a encantava. O inverno recendia a chocolate quente e cobertores aconchegantes. Para ela o verão era a época de presentes. Fotos e brincedeiras à beira do mar. Uma vida perfeita. Bem delimitada e com um futuro esperado. Ela cresceria. Aprenderia o que lhe ensinariam. Faria faculdade. Com o direito de escolher qual, até! Continuaria amando sua fazenda. Trabalharia. Em determinado momento encontraria algum estrangeiro rico e de boa família. Se apaixonaria. E não poderia ser diferente. O casamento seria como o esperado de uma união como aquela. Cheio de ilhas gregas e champagnes franceses. Na sua fazenda de pôneis ou no próprio Coliseu. E as conjecturas não param tão cedo. Imaginaram para ela filhos. Lindas crianças. Uma menina e um menino. Olhos encantadores, cabelos angelicais e um sorriso singular. Teria de ser perfeito. Afinal, uma garotinha perfeita merecia um destino perfeito. Um futuro perfeito. Uma felicidade duradoura. E conservadora, evidentemente.
Mas então chegou o outono. Pos ele sempre chega. As folhas caem. E o plátano do jardim passa a se parecer mais com uma simples árvore qualquer. Ou então as árvores comuns passam a ter um ar especial. Um ar incomum. Um aspecto único, misterioso e distante. As folhas no chão despertam a curiosidade da garotinha. Aquelas folhas que mais lembram um tapete, uma cama, do que apenas a lembrança da primavera que já se foi. E a curiosidade dela foi mais forte. Sua vontade de conhecer, de quebrar os paradigmas e de traçar seu próprio caminho. E aquela que um dia fora uma menininha mimada, protegida, quase uma princesinha, cresceu e se tornou quase uma mulher. Quase decidida e quase certa do caminho a seguir. Que acha que tem certeza do que quer agora. Só tem segurança de uma coisa. De que é independente. De que não quer mais ninguém prevendo seus passos, ninguém delimitando o tamanho da sua felicidade nem estabelecendo o formato do seu desejo. É quase uma mulher feita. Mas mais que isso, tem agora um pensamento estabelecido. Ela cuida de si própria. Não depende mais da corrida dos pôneis para abrir um sorriso. Não canta mais só quando as flores desabrocham. E garotinha seguiu quase o caminho esperado. Mas com seus próprios passos de agora em diante. Sem buscar o caminho já conhecido. Quanto maior o desafio, maior a recompensa. Quanto maior o desafio, maior a adrenalina. E a garotinha é feliz assim. Por ela própria e com ela própria. Não mais uma princesinha. Não mais uma mimadinha. Ela mesma. Da forma que ela quiser.
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Contei para mamãe hoje. O tipo de pessoas que me faz feliz. Não as altas, gordas ou morenas. Não as branquinhas, de cabelo curto ou de pés pequenos. Não desses tipos de pessoas que me refiro. Foi na fazenda de pôneis. Eu disse mamãe, não se surpreenda se talvez eu trouxer uma namoradinha para conhecer os pôneis. Mamãe disse namoradinhA? O meu sorriso já era resposta suficiente. Ela disse que já sabia, já suspeitava. Embora não se converse sobre o assunto aqui, as poucas palavras trocadas já me foram o suficiente para estampar um sorriso. Para saber que mais alguém importante para mim me entende. Ou ao menos tenta. E que não importa o que acontecer, vai me tratar bem. E tratar bem quem for que estiver ao meu lado. Se estiver alguém ao meu lado.
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De certa forma, só parcialmente compreendida, sinto como se tivesse completado uma espécie de rito de passagem. Uma das primeiras perguntas é sempre “já contou para seus pais?”. Só agora começo a entender a importância disso. De certa forma. A princípio o pensamento de que ”homossexualidade se restringia a apenas o sexo do seu parceiro” me dominava. E seguindo esse pensamento, contar para os pais e amigos era quase que despropositado. Mas como já comentei (ou virei a comentar), homossexualidade está muito mais para homossociabilidade do que para o sexo em si. Inclui os olhares e sorrisos que se usa e que se recebe, o tipo de preconceito que se suporta, e também o tipo de tratamento e educação que seus pais vão esperar de quem você eventualmente apresentar para eles. Entendo agora em parte a importância disso tudo.
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Minha mãe aceitou bem e até me perguntou sobre um ou outro ponto de interesse.
Quero ainda ver a opinião do meu pai. Se bem que ele não tem mais muito o que mudar agora.
Quem de fato não aceitou nada bem a notícia foi o Johnny Walker. Pateou o chão e insistiu que não. Que ou eu mudava de idéia ou não queria mais me ver na frente. Afirmou veementemente que não admitia. Que eu era só dele e não seria uma menininha qualquer que me tiraria dele. Não consegui nem protestar. “Ela ou eu”, disse o Johnny Walker com cara de ofendido. Com cara de abatido. Com cara de traído.
Não tive escolha.
3 comentários:
Teus desejos, tuas escolhas e tuas atitudes demonstram tua liberdade e complexidade. Todas pessoas que se importam contigo sempre te apoiarão. Podem não aceitar 100%, mas apoiarão ainda assim.
Quanto ao Jhonny Walker, entendo realmente como ele se sente. Mas tenho certeza que ele vai, eventualmente ceder. Mais importante do que ele te ter pra ele, é ele te ter com ele.
esse Johnny Walker... sempre pelo caminho, hein? eu gostei de ambos os textos, é sempre refrescante saber que existe gente que ainda sabe escrever nesse mundo. gostei ainda mais da maturidade e da elegância do estilo, da sinceridade.
cada pessoa tem seu tempo. quem te aceita de cara nem sempre continuará te aceitando para sempre. quem reflete pode depois vir a te aceitar com mais perenidade e intensidade.
te amo, boa sorte em tudo.
Gostei desse lugar. Desse blog. E desse ar. Como gostei mais dessa menininha ai!Dessa escritora! hehe ^^
Poxa, agora tu tem um espaço aqui.(:
Quantas coisas essa menina ja viveu hein? E foram boas pelo que se percebe.
Flor, todo mundo passa por coisas loucas e que nos deixam as vezes assustadas, com medos, incertezas, mas no final o sorriso sempre surge.
E o coração vence a força racional e transpassa tua felicidade por todos os cantos.
É bom saber que deu tudo certo pra ti, e deve ter sido um alívio também, neh? Lembra que tínhamos falado sobre e dissemos que ia chegar a hora? hehe Foi rápido.
Quanto ao cavalinho, ele vai se acalmar, vai entender, aposto que não vai resmungar mais. Ele vai querer te ver bem, como eu quero e como todos que gostam de ti querem.
Menina, te adoro viu?
Estarei sempre aqui.
(: beijoss
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