segunda-feira, 5 de julho de 2010

Have you ever seen the rain?




Yesterday, and days before
Sun is cold and rain is hard
I know, been that way for all my time




Sorriu com os raios da aurora acordando-a desse não sono a noite toda. Sorriu bom dia, como se houvesse havido um boa noite. Sorriu, analisando finalmente os contornos que a cercavam. O contornos que ela própria assumia. Os contornos que se apossavam dela de forma quase líquida, preenchendo os vazios deixados ou sequer percebidos. Até os raios desse sol ainda tímido lhe pareciam novos, entrando oblíquos e fragmentados em retinas recém não acordadas. Recém abertas.

Quem era ontem? Qual era a cor de suas canções? Ou qual o tom do toque de seus dedos? Qual o gosto dos pensamentos solitários? Quem lhe sorria no espelho? Quem lhe confessava as vontades nas noites insones?

E essas poucas horas. Não sabe bem, poderiam ser segundos ou quem sabe anos, completamente insones. Os olhos bem abertos, quando lhe era permitido, vendo atentamente as mudanças, nessa noite tão longa. O escuro acolhendo os segredos, acolhendo as liberdades. Permitindo. Esse tempo que então a moldara em madeira ou pedra, mantendo a maciez dos contornos mais belos. Os contornos, então seus contornos.

Sorrindo para a quase esquecida aurora, tenta distinguir no meio da ainda penumbra o rosto que lhe devolve o bom dia, que lhe percorre com os dedos os centímetros de pele descoberta. Toda a pele descoberta, toda a sensibilidade latente. Muito confuso, muito difícil. Mais fácil a simples tranquilidade do dia que desperta, sem tentar distinguir, só aceitar que pode ser como pode não ser também.

A pele lisa, nua, deixando transparecer os pensamentos inerentes, deslizando rápidos por entre pudores e inocências. Se vê surpresa ao perceber que as curvas antes imaculadas agora se parecem mais memórias de todos os momentos, condensadas em centímetros intermináveis de coxas e costas e braços e quadris. Cada infimidade com todas as histórias a contar, não mais só a pele nua, e sim uma infinidade de dores, amores, filmes, e histórias quase fantasiosas. Alguns destaques outros esquecimentos. Todas as marcas. Os medos desenhados em tinta viva, contornando os ombros e descendo pelo frio da espinha. Os amores se aninhando aconchegantes em torno dos pêlos dourados dos seios. Até as dores se mostrando assim, à vista de todos, tatuadas como em fogo. E nenhum vazio. Que consiga ver. Percebe essa pele nua que não só pele nua é então... E até os arrepios soltando ao vento que entra pela janela os sussurros da noite anterior, cantando à manhã os pensamentos mornos, com cada ínfimo arrepio deslizando para o ar uma memória diferente e contrastante. Antes tudo tão liso, inocente, e então essa súbita explicitudes do que lhe percorre a alma. Como se transbordasse para a pele sensível o que lhe revolve os pensamentos. Parecendo que não mais sua simples alma pudesse comportar sozinha todas as memórias e anseios, tendo então que macular de forma bela as belezas antes nuas, tendo que expressar para todos os pensamentos, tendo que gritar para o mundo as bagagens. Tendo que dividir, e não só mais esconder o que faz dessa lagoa calma ora mar agitado.

Não mais só pele a mostrar, mas então tudo o que lhe faz ser dos contornos, das formas, das cores e amores que é. Tudo a mostrar, sem esconder por trás de sorrisos falsos pretensas insensibilidades.

E continua sorrindo, sentindo, saudando, esse dia que já plenamente desperta. Da forma que for, da forma que quiser ser.

2 comentários:

Guilherme Gomes Ferreira disse...

Noooooooooooossa, Alê! Sensacional!

Vislumbre de cores, caleidoscópicas e intermitentes. E a moça sorrindo nua, de um jeito despretencioso e calmo ^^

Sabe que eu consegui visualizar o cenário? Parece que vejo a moça despertando na minha frente.

Fantástico, Alê! Puro sentimento transbortando pela nudez da pele!

Titi disse...

Teus textos dão a impressão de estar visitando um lugar novo que, inexplicavelmente, transmite o conforto do já conhecido...

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