quinta-feira, 29 de julho de 2010

My way



Talvez goste daquele cheiro podre das esquinas e sarjetas. Talvez sem a dor aguda não consiga se reconhecer viva. Precisa da eterna busca, precisa sentir que perde, que não consegue, e que nunca conseguirá. Sentir o gosto do sangue na boca, o próprio sangue que mais a inebria que a faz viver. Essa vida assim, fugindo, se escondendo, brigando, só vivendo. Mostrando as garras e em um segundo com cara ao chão. Não necessariamente pelo perigo, mais pela adrenalina, mais por sentir rasgando essa dor inacabável. Forçando sorrisos falsos e seguindo em frente. Talvez seja assim, complicado, dessa forma destrutiva, a única que sabe ter. Destruindo mais a si mesma, e sentindo um prazer indescritível pelos cortes que ostenta. Destruindo os pés, correndo, sangrando, fugindo, sempre em frente. Destruindo os olhos, já vermelhos. Choro ou somente cocaína? Sempre uma forma de compensar artificialmente sorrisos quebrados, corações despedaçados. Destruídos. Não passa de um músculo a lhe manter viva, sem nenhuma capacidade de amar, de sentir aquela ponta de afeto. Não sabe se algum dia houve a capacidade. Não se importa.

Umas pessoas compensando o vazio das outras. Aquecer a cama em noites frias. Esfriar a cabeça em manhãs quentes. Nenhum nome, nenhum número de telefone, alguns sorrisos forjados, sempre os beijos estratégicos. Podre por dentro, mas mantendo as aparências, sendo aos olhos puros exatamente o que essas purezas esperam. Pode lhes dar o que querem, tudo e um pouco mais, se assim lhe convier. Se assim lhe agradar. Pode lhes levar a qualquer lugar, a todos ao mesmo tempo, e sabe disso. Mas não lhe peça sorrisos de bom dia, não lhe peça compreensão, não lhe peça afeto, e sequer fantasie sobre amor. Pode lhe dar o mundo, mas não pode dar a si mesma.

Já viu os tropeços, já viu escorrer por entre os dedos as lágrimas, o sangue impiedoso. Já viu a podridão e conheçe a vilania inerente a todas as almas. Já viu tanto, mas nunca tudo. Sepre mais. Nenhuma festa lhe é o suficiente, nenhuma dose, nenhuma vez o suficiente. Vazia? não. Faminta, sedenta, necessitando se provar como ela mesma outra e outra e outra vez. E assim é que gosta e só assim que sabe levar seus dias. Suas noites.

Não sabe como aconteceu, não sabe muito bem. Foi quem sabe numa noite chuvosa, trovões e sem saber como voltar. Sentiu medo. Admite que sentiu. Foi por um segundo, mas lhe cortou os pensamentos como se tivesse ela mesma sido atingida pelos raios que iluminavam o céu tempestuoso. O sorriso debochado vacilou por um momento. A auto confiança não se sentindo assim mais tão confiante. Cambaleou em seu pedestal de seguranças falsas. Algumas memórias, mas sobretudo o medo. Somente por um segundo. E já foi o suficiente. Determinante. Naquele um segundo algo muito forte dentro dela se contorceu, agonizou, mudou. Alguma mudança muito significativa que ainda não consegue de todo explicar. Só sabe disso, mudou e não sabe voltar. Não se reconheçe, olhos limpos, segura em um canto seco, aparando as garras e cuidando para que suas presas não firam quem a envolve. Em certa manhã arriscou até um sorriso. Soube dar um abraço terno, imagine só.

Sabe que mudou, não se reconheçe mais, não sabe por que mudou, só que mudou.
E não gosta disso. Nem um pouco.


But through it all, when there was doubt
I shot it up, or kicked it out
I fought the war, and the world
And did it my way

(Sid Vicious)

3 comentários:

Unknown disse...

"Sabe que mudou, não se reconhece mais, não sabe por que mudou, só que mudou.
E não gosta disso. Nem um pouco."

É.

¬¬

Marina disse...

Eu gosto como você escolhe as palavras...sempre certas, no tom certo, com o som certo.
"...pedestal de seguranças falsas..."
É poético!

Unknown disse...

Na maioria das vezes mudanças são doloridas e de dificil adaptação. Mas talvez seja bom, aos poucos, se torna bom.

xD gostei do 'pedestal de seguranças falsas' tbm, parece contraditório e propício.

Um abraço.

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