quarta-feira, 18 de agosto de 2010

All I Can Do Is Write About It



Os dias quentes como hoje me deixam de uma forma tão peculiar. Me deixam com esse sorriso bobo na cara, me deixam com esse olhar sempre em frente. São as tardes amenas e os entardeceres agradáveis que me fazem ser novamente o que talvez tenha por certo tempo escondido entre cobertas e poeira em um canto escuro o suficiente para não distinguir.

Essas tardes de um sol assim tímido, mas não menos caloroso, talvez me façam lembrar de tardes que tanto me fazem falta nesse agora deserto de almas e inferno de vozes. Talvez por me lembrar do vento que ora soprou meus cabelos e do céu que ora iluminou meus olhos que tenha esse fascínio pelas mais simples belezas. Essas belezas que em palavras mais parecem banalidades, não sendo assim possíveis de se retirar a sutileza que só os olhos mais desejosos encontram nos ínfimos e coloridos detalhes.

Como quisera o que já não mais é tátil, e como entristecera-me ao reconhecer a resignação entranhada mais fundo em mim do que achava possível. Lembra-se ainda da sensação da chuva a lhe escorrer pela nuca, molhando os cabelos e os sonhos? Consegue sentir ainda o gosto do vento livre a correr por então floridos campos? Ou então o toque suave da terra nua, macia, se entranhando pelos pés descalços, sem a menor preocupação? Houve uma época em que cri impossível esquecer dessas próprias partes da minha felicidade singular. E então somente nos dias quentes consigo novamente ver por entre as paredes rígidas e pelo vidro sólido a fluidez de sonhos a correr corajosamente como que levados por uma canção de primaveras distantes. Parte de mim só levemente rememorada, mas o suficiente para me dar essa leveza nos passos.

Quisera poder correr pela planície. Quisera poder me deitar sob uma sombra ampla e acariciar os pelos dourados, sentir as presas, apreciar as garras. Quisera me ver novamente livre, novamente onde o vento me acariciava com mais ardor e a água que sussurrava com mais amor, novamente se vendo o reflexo e se reconhecendo eternamente feliz. Leõas sempre hão de ser felizes. Ferozes. Famintas. Fugazes. Felizes.

E agora sinto de perto a enganosa liberdade que buscam me vender com ares de glamour. Agora me aparam as garras afirmando não serem suficientemente belas. Agora me tosam os pelos alegando que eles fazem eu me esconder sob camadas de proteção. Desculpas tolas, pretextos levianos. Intenções determinadas, vis. Me proibem a corrida e me acorrentam os pensamentos. Me amordaçam o grito. Querem me fazer acreditar que essa artificial e comprada felicidade substitui sem falhas minhas antiga – e quase esquecida – simples e bela esfera de cristal que chamava de completude. Querem tanto, impõem tanto, exigem tanto. Sabem voar na leve brisa do amanhecer? Sabem apreciar a pureza da grama brotando? A dureza da geada? Sabem ser? Ou apenas ter e querer?

Mas então esse dia nasce assim sorrindo, me acalorando os pensamentos ainda adormecidos, como que dizendo não se desespere pequena, o amanhã sempre virá. E me lembro mais uma vez de tudo o que era bom, de tudo o que era essencial, de tudo o que nunca desejaria ter por um segundo me separado. E assim o fiz, dolorosamente. Me traz esse sorriso inabalável ao rosto, esses dias de agradáveis sóis. E então estico novamente as garras, afio novamente as presas. Novamente eu, novamente assim. Novamente por sobre essas falsas certezas que me fizeram engolir. Novamente eu, só eu, sem ninguém. E com o mundo todo. O vento me carregando onde for. O sol refletindo minhas mais insanas vontades.

Um sorriso bobo e o vento então soprando novamente sobre todo o meu corpo. Como se nunca houvesse parado.

1 comentários:

Unknown disse...

Eu gosto quando tu remete liberdade ao campo. As vezes me parece que tu está escrevendo e cavalgando em uma várzea cujo fim não existe. As vezes eu sinto falta de andar de pés descalços como na minha infância e eu já voltei lá e fiz isso várias vezes. Que todos os dias simples sejam vistos como os mais importantes.

=) Abraço-te, 'mon petite'

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